Na minha infância, na sexta-feira da paixão, um grupo de pessoas apareciam em casa para acordar meus pais e pedir galinhas para a festa da aleluia. Traziam o Judas, um boneco horrível, que representava um ser muito detestado, carregado de culpas e de pecados. As crianças diziam que ele era o Coisa Ruim ou algo deste gênero. Era coisa que
não entendia bem, mas tinha muito medo do Judas. Ele apanhava porque merecia, era um traidor, segundo os protagonistas do ritual. Entretanto, acompanhava os que roubavam as galinhas, depois da meia-noite de sexta-feira da Paixão. Nada
disso me parecia certo ou do bem.
Mais
tarde aprendi que a cerimônia representava a morte de Judas Iscariotes, que traiu Jesus Cristo, com um beijo na face. Descobri que na realidade o verdadeiro Judas nem fora queimado. Isso evidenciava que havia outros significados para a história do Judas. Na antiguidade os povos faziam bonecos e elegiam coisas ruins, que não gostavam, para serem queimadas simbolicamente na figura dele. Essas cerimônias antigas foram absorvidas e depuradas
pelo cristianismo. A atual "Queima do Judas" é o que resta desses rituais, que ao evoluir com o decorrer dos tempos, e por ingênua deformação, resultaram na forma, tal qual hoje se apresenta.
Na melhor tradição latina a cerimônia não começa antes de se escolher a personalidade da comunidade, estado ou país que seja considerada por suas ações uma ameaça à sociedade e que seja merecedora de protestos, agravos e escárnios.
Como se vê na ilustação que circula através das redes sociais, no sábado que vem o povo brasileiro teria mil razões para celebrar a tradição, elegendo Judas para ser ridicularizado
e queimado simbolicamente, já que não será fácil alcançar os judas que elegemos e que tanto mal fazem à população. Não há nenhuma dúvida de que o povo já escolheu os seus candidatos a Judas, pelos
seus atos. Seriam eles os administradores mal intencionados, mentirosos, corruptos, os agentes públicos que se enriquecem na sua função, os responsáveis pelo mensalão, pelo petrolão, os causadores da inflação, que afinal deveriam literalmente serem "torrados" de uma só vez porque nos fazem tanto mal.
Bom seria também aproveitar o momento para queimar o Judas que representa nossos defeitos, como o egoísmo, a vaidade, a ganância e dar pelo menos uma chamuscada no Judas que simboliza o consumismo
irracional, que agrava a situação do planeta, na medida que contribui para esgotar os recursos
naturais, poluir as águas e degradar o meio ambiente.
Que a Semana Santa
sirva para reflexões sobre a vida: a
de Jesus Cristo, a nossa própria, de nossos filhos, netos e sobre o futuro da nação, que deverá abrigar ou sustentar as próximas gerações.
Mas, não deixe de malhar o Judas.
Boa Páscoa a todos!